Sunday 29 April 2007

Seria mais justo que Mendes colocasse a fasquia da quebra de confiança política no momento da acusação.*

Quando Marques Mendes colocou a fasquia da quebra de confiança política nos autarcas no momento da constituição de arguido não previa certamente a hecatombe que se está a verificar em Lisboa.

Mendes marcou pontos no campo da ética política, tão cara aos cidadãos, quando prescindiu de vitórias fáceis em Oeiras e Gondomar em prol da transparência e de uma imagem mais impoluta dos candidatos do seu partido

A investigação aos negócios da Câmara de Lisboa com a Bragaparques não levou o líder do PSD a baixar a guarda da coerência e, por via disso, já suspenderam funções dois vereadores eleitos pela lista laranja. Mas agora a constituição de arguido bate à porta do próprio Carmona Rodrigues. E Mendes está refém das suas palavras. Carmona deverá suspender o mandato ou entrar em rota de colisão com o líder do partido que o elegeu. Mas concretamente o que significa a constituição de alguém como arguido? Apenas o facto de o Ministério Público ter suspeitas ou indícios da prática de crimes. Suspeitas ou indícios que podem ser afastados pelo próprio Ministério Público no momento de acusar ou arquivar.

Teria sido mais prudente, e até mais justo, que o líder da oposição colocasse no momento da eventual acusação a quebra de confiança que tem levado os seus eleitos a suspenderem os mandatos. Assim, é possível o cenário absurdo da queda do executivo camarário da capital ainda antes de qualquer acusação consolidada. E o que dirá Mendes se perder Lisboa e os seus eleitos não chegarem a ser acusados?

Octávio Ribeiro


*enviado como contributo, publicado no CM

1 comment:

Anonymous said...

É inquietante que nenhum responsável político ou judicial explique à turba ignorante o que é ser arguido e o que isso representa.


A novela do momento é saber se Carmona Rodrigues, presidente da Câmara de Lisboa, vai ou não vai ser constituído arguido. Alguma Comunicação ávida de sangue já o deu como fugido do País devido à iminência de ser arguido. A classe política em Lisboa está com cólicas de nervosismo à espera que o Ministério Público faça de Carmona mais um arguido, coisa que dá para longos momentos de conversa chilra. No PSD afiam-se espadas para degolar o arguido. Nos restantes partidos há muito tempo que o degolaram ante a expectativa de ser arguido.

Que resulta desta grande euforia intestinal em torno do facto de Carmona ser arguido, tal como outros dos seus vereadores? Que representa isso na ordem do Estado de Direito? Nada. Mas é revelador da baixeza ética a que a política e o conhecimento chegaram depois de 33 anos sobre o 25 de Abril.

Em termos muitos simples, pode dizer-se que a figura jurídica de arguido foi criada, desenvolvida e consolidada para responder à protecção dos direitos e liberdades consagrados na Constituição. Para que a obrigação de acusar não seja repartida com o acusado. Para que os direitos essenciais de cidadania de qualquer indivíduo não sejam postos em causa por força da coacção, da violência e outros recursos para fazer prova judiciária. É uma figura que tinha na mente de quem a criou a sinistra memória dos tribunais plenários manipulados pela polícia política. É uma figura jurídica para afirmar os direitos humanos antes dos deveres de acusação. É, aparentemente, uma figura essencial ao respeito pelo viver democrático, no respeito pelos valores da liberdade, da justiça e da dignidade humana.

O paradoxo de tudo isto é que foi sobretudo a dita esquerda portuguesa que mais lutou para atribuir a qualidade de arguido a quem sobre cai a possibilidade eventual de uma acusação. E digo paradoxal porque é exactamente essa dita esquerda, ou o dito centro-esquerda, ou o centro com alguma esquerda ou qualquer outra das demências políticas desta geografia de homens maus e feios, que transformou um instituto de protecção de direitos numa banca da inquisição, num espectáculo de destruição de dignidade dos homens que faz corar de vergonha qualquer esbirro da antiga polícia política.

É inacreditável como a Ordem dos Advogados se mantém em silêncio perante este festim de alarvidade. É extraordinário como os defensores dos Direitos Humanos se calam perante esta vergonha. É inquietante que nenhum responsável político ou judicial explique à turba ignorante o que é ser arguido e o que isso representa. Ou se calhar é mesmo assim e este País está mesmo condenado à mediocridade.
Francisco Moita Flores, Professor universitário