Sunday 29 April 2007

É inquietante que nenhum responsável político ou judicial explique à turba ignorante o que é ser arguido e o que isso representa.*

A novela do momento é saber se Carmona Rodrigues, presidente da Câmara de Lisboa, vai ou não vai ser constituído arguido. Alguma Comunicação ávida de sangue já o deu como fugido do País devido à iminência de ser arguido. A classe política em Lisboa está com cólicas de nervosismo à espera que o Ministério Público faça de Carmona mais um arguido, coisa que dá para longos momentos de conversa chilra. No PSD afiam-se espadas para degolar o arguido. Nos restantes partidos há muito tempo que o degolaram ante a expectativa de ser arguido.

Que resulta desta grande euforia intestinal em torno do facto de Carmona ser arguido, tal como outros dos seus vereadores? Que representa isso na ordem do Estado de Direito? Nada. Mas é revelador da baixeza ética a que a política e o conhecimento chegaram depois de 33 anos sobre o 25 de Abril.

Em termos muitos simples, pode dizer-se que a figura jurídica de arguido foi criada, desenvolvida e consolidada para responder à protecção dos direitos e liberdades consagrados na Constituição. Para que a obrigação de acusar não seja repartida com o acusado. Para que os direitos essenciais de cidadania de qualquer indivíduo não sejam postos em causa por força da coacção, da violência e outros recursos para fazer prova judiciária. É uma figura que tinha na mente de quem a criou a sinistra memória dos tribunais plenários manipulados pela polícia política. É uma figura jurídica para afirmar os direitos humanos antes dos deveres de acusação. É, aparentemente, uma figura essencial ao respeito pelo viver democrático, no respeito pelos valores da liberdade, da justiça e da dignidade humana.

O paradoxo de tudo isto é que foi sobretudo a dita esquerda portuguesa que mais lutou para atribuir a qualidade de arguido a quem sobre cai a possibilidade eventual de uma acusação. E digo paradoxal porque é exactamente essa dita esquerda, ou o dito centro-esquerda, ou o centro com alguma esquerda ou qualquer outra das demências políticas desta geografia de homens maus e feios, que transformou um instituto de protecção de direitos numa banca da inquisição, num espectáculo de destruição de dignidade dos homens que faz corar de vergonha qualquer esbirro da antiga polícia política.

É inacreditável como a Ordem dos Advogados se mantém em silêncio perante este festim de alarvidade. É extraordinário como os defensores dos Direitos Humanos se calam perante esta vergonha. É inquietante que nenhum responsável político ou judicial explique à turba ignorante o que é ser arguido e o que isso representa. Ou se calhar é mesmo assim e este País está mesmo condenado à mediocridade.

Francisco Moita Flores, Professor universitário


*enviado como contributo, publicado no CM

2 comments:

Anonymous said...

Quando os lobos uivam

Como se lê no DN de 22 de Fevereiro, "Pinto Monteiro sustenta, em tese, que um executivo municipal não pode cair por uma suspeita que, depois, se venha a revelar infundada".

Aqui é que bate o ponto. Este é o verdadeiro cerne da questão levantada em torno da Câmara Municipal de Lisboa. Metralhado por acusações, o executivo de Carmona Rodrigues não pode cair por suspeitas infundadas e muito menos pela gritaria exaltada, demagógica, hipocritamente virtuosa e justicialista, dos vários quadrantes de uma oposição que mais se diria uma alcateia desvairada do que parte de um executivo municipal digno desse nome.

O objectivo de uma virulência sem escrúpulos que cada vez mais se esganiça em decibéis (o que, só por si, indicia a sua fraqueza em argumentos de fundo) não é outro senão o de provocar a queda da câmara pelo desmultiplicar de acusações e de insinuações, com propósitos evidentes de desagregação da sua imagem e de criação de um intolerável descrédito quanto a ela. Um objectivo puramente político, portanto, que recorre à baixeza da imputação de malfeitorias como instrumento habitual da sua estratégia.

É evidente que a oposição não olha a meios e põe sistematicamente os seus interesses à frente dos interesses de Lisboa. E também é evidente que o presidente da câmara faz exactamente o contrário.

Na verdade, Carmona Rodrigues tem feito tudo para honrar os seus compromissos eleitorais. Tudo, incluindo aturar a gente enraivecida que lhe salta às canelas, dia sim, dia sim.

O procurador-geral já se apercebeu do risco que a generalização de situações deste tipo envolve para a dignidade, para a estabilidade e para a eficácia do exercício de cargos públicos, e oxalá possa contribuir para pôr cobro aos abusos.

Tanto quanto pode antecipar-se do que veio a lume na comunicação social, os factos imputados aos dois vereadores que se encontram na situação de arguidos e suspenderam funções levarão a que as averiguações correspondentes, no tocante à idoneidade deles para fazerem parte da vereação, fiquem em águas de bacalhau. Num caso, tinha havido consenso prévio; no outro, em nada se vê que a situação se enquadre na figura de peculato… Tudo o mais é ruído, poeira, areia nos olhos, cortina de fumo, destilação de venenos, catadupa de pretextos para entravar o normal funcionamento da câmara.

Felizmente, a celeridade na matéria está nas intenções do procurador-geral. Pelo menos, isto é o que decorre com evidência das suas declarações. Qualquer pessoa de boa-fé compreenderá que o presidente da Câmara de Lisboa também tem essa expectativa e que ela, a concretizar-se, lhe permitirá meter na ordem e envergonhar publicamente as vociferantes criaturas que o atacam.

Pode ser que, mesmo assim, Carmona Rodrigues não venha a ter condições para aguentar uma tempestade que desabou artificialmente sobre a sua cabeça e põe imprudentemente os interesses da cidade sob os mais graves riscos.

Mas, quer ele aguente quer não aguente, se os sucessivos pretextos invocados para a sua destruição cívica e política e para o desmoronamento da câmara vierem a revelar-se infundados com a tal celeridade que é de esperar da parte do Ministério Público, deveria haver uma maneira de responsabilizar devida e rapidamente os fautores de tanta agitação. É de recear, todavia, que, no fim, tudo se limite à seca informação de que os processos foram arquivados.

Que se trata de pura manobra, revela-o logo a indisponibilidade da oposição para provocar a queda do executivo, demitindo-se em bloco (de efectivos e suplentes) dos seus cargos na vereação. Como isso não afectaria a composição da assembleia municipal, onde continuaria a ser minoritária, a solução não lhe convém… O que está em causa é aniquilar a maioria do PSD, dê lá por onde der!

Sem poder afectar a composição da assembleia municipal, trata-se de se afectar a governabilidade da autarquia, desgastando, até onde for possível, os titulares das funções executivas do partido maioritário.

Este artigo já estava escrito quando o Sol de sábado passado publicou o editorial de José António Saraiva, "Carmona e os chacais". Decidi por isso alterar o meu título, que inicialmente era "O tempo das hienas", para outro, de sabor mais aquiliniano. Mas também podia ter escolhido "A lei da selva" ou "A alcateia". Em qualquer caso, lobos, hienas ou chacais são espécies zoológicas predadoras a que a formosa Ulisseia não pode ficar entregue.

Vasco Graça Moura
Escritor

Anonymous said...

Escolhi comentar este post de Moita Flores, pelo respeito que tenho pela sua sabedoria nestes casos de "polícia". E, GARANTIDAMENTE, o Prof. Carmona Rodrigues, NÃO É UM CASO DE POLÍCIA. Conheço-o pessoalmente (embora não muito) e, francamente, ACREDITO NESTE HOMEM que os Lisboetas em boa hora escolheram para dirigir a sua Cidade.
De facto, hoje, qualquer cidadão poder ser constituído arguido por "dá cá aquela palha".
Carmona Rodrigues é um ALVO tentador... E não apenas pelos que militam em partidos distintos daquele que decidiu integrar como independente, mas também por "militantes" do próprio PSD que, desta forma, lançam sobre ele o anátema da culpa que eles, sim, tiveram mas não assumiram. Um dia se saberá!
Já foi escrito neste blog, mas pensem um pouco: porque é que Sá Fernandes "sabe" sempre tudo antes dos demais? Seu irmão terá algo a ver com isso? Acho que sim e que toda a "máquina" montada contra Carmona Rodrigues foi posta a "andar" desde o dia da vitória.
Acaso alguém já considerou Sá Fernandes (BE-independente-cidadão em prol dos cidadãos) "arguido" pelos milhões que já custou ao erário da Edilidade de Lisboa e, afinal, a todos nós? Pensem um pouco, é o que peço!
Desejoso está ele porque haja um pequeníssimo acidente que seja no Túnel do Marquês. Seria a sua "coroa de glória"!
Mas, ainda ontem, no país da "segurança" (EUA), também ruíu um viaduto, devido à explosão e incêndio de um camião cisterna. Acabarão os viadutos em terras do "tio Sam"?
E quando eles caem uns sobre os outros, como quando do terramoto de S. Francisco?
Acabaram os viadutos?
Não!
No Túnel do Marquês, basta simplesmente seguir as indicações e limitações de velocidade e, nada acontecerá certamente!
O problema, são os "aceleras" e, depois... ai quem nos acode!
E Helena Lopes da Costa e seus "boys" e "girls"? E Santana Lopes e seus "boys" e "santanetes"? E o próprio Luís Filipe Menezes (tão "amigo" dos dois) que com frequência se desloca à Capital do País, onde vivem e trabalham honestamente os "sulistas, elitistas e liberais"?
Percebo que o ponto de vista do Dr. Luís Marques Mendes está correcto... em princípio!
Mas há - quanto a mim - Arguidos e "arguidos", como ele certamente saberá melhor do que eu.
Tenho confiança na sua decisão e da Dra. Paula Teixeira da Cruz.
Em prol de Portugal, de Lisboa e do próprio Partido Social Democrata.
Prof. Carmona Rodrigues:
EU ACREDITO EM SI!